John
Wesley inicia o sermão “A salvação pela fé” mostrando, em dois termos chaves
(graça e fé), o caminho de sua teologia soteriológica: “A graça é a fonte, a fé
é a condição”. Em seu dizer, não há salvação que não advenha de Deus, e o único
meio de acesso a essa salvação é a fé. Nisso consiste a herança protestante no
pensamento de Wesley. Assim como em todos os protestantes históricos, a graça e
a fé exercem primazia na teoria de salvação de Wesley. Por conseguinte, o autor
questiona: Qual é a fé mediante a qual somos salvos? Sua resposta expõe seu
método argumentativo que, geralmente, inicia com aquilo que não é o correto e,
em seguido, explica sua compreensão bíblica do problema em questão. No caso da
fé, Wesley rejeita três tipos de fé que, na sua concepção, não corresponde à
verdadeira fé salvífica, a saber: a fé
dos pagãos, a fé dos demônios e a fé dos apóstolos antes da morte de Jesus.
Ao
falar sobre a fé dos pagãos, Wesley já se põe a quilômetros de distância do
liberalismo teológico atual e de qualquer tipo de teologia contextual e
universalista. Obviamente, seria um anacronismo dizer que Wesley seria contra
essas tendências teológicas, tendo em vista que ele não as conhecia em seu
tempo. Contudo, a comparação entre Wesley e os deístas de seu tempo,
interpretada à luz dos dias de hoje, mostra-nos claramente de que modo Wesley
jamais aceitaria qualquer tipo de teologia que contrapõe-se aos princípios fundamentais da
fé cristã e do protestantismo histórico, como por exemplo, a salvação pela
graça mediante a fé.
Consideremos
uma discussão de Wesley com os deístas de seu tempo. O Lord Huntington
explicitou para Wesley que o único ponto em que eles se dividiam era a doutrina
da expiação. Em resposta, Wesley disse: “é verdade que eu não posso compreender
(...) mais do que o maior entendimento humano. Nossa razão fica confusa aqui.
(...) Mas a questão é a seguinte: ‘O que diz a Escritura?’ Esta é a única considerada
por mim. A Escritura diz: ‘Deus estava em Cristo reconciliando o mundo
consigo’, que ‘Aquele que não conhecia o pecado foi feito oferta pelos pecados
de todos nós’” (Carta de Wesley a Maria Bishop, VII, 297-299). Essa discussão
nos mostra que Wesley não estava disposto a rejeitar os pontos fundamentais das
Escrituras em função de qualquer filosofia ou ciência humanas, nem mesmo para favorecer seu diálogo com os deístas de seu tempo. Com efeito,
seria melhor não se adaptar aos deístas do que unir-se em suas concepções, já
que essa união significava separação de Cristo.
À
luz dessa discussão de Wesley, podemos estabelecer uma releitura wesleyana
supondo que uma teologia wesleyana jamais deve se inspirar em teologias
deístas, teologias simbólicas – que consideram a vida, a morte e a ressurreição
de Cristo como meros símbolos religiosos – e teologias contextuais – que
utilizam o contexto histórico bem como seus pressupostos éticos, filosóficos e
políticos como critério para a interpretação das Escrituras. No dizer de
Wesley, aquele que não concebe a obra de Cristo não possui nem mesmo a fé dos
demônios.
Por
isso, a fé dos pagãos, para Wesley, é uma fé tipicamente cultural, que está
mais interessada em cumprir deveres morais do que no conhecimento de Cristo.
Essa fé não pode ser uma fé salvífica. Certamente a fé dos pagãos, como o
próprio termo “pagão” indica, é superficial, que só se tem do lado de “fora” da
fé cristã. Portanto, esse tipo de fé não serve para quem quer conhecer a Deus.
Com efeito, não serve para nenhum tipo de teologia ou como princípio para um
diálogo inter-religioso, como alguns o fazem nos dias de hoje. Qualquer frase do tipo: "o importante é a paz, a responsabilidade social, o amor ao próximo", "todas as religiões levam a Deus", contraria ostensivamente os escritos de Wesley uma vez que desconsidera o que há de mais essencial e, ao mesmo tempo, peculiar ao cristianismo: a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo.
O
segundo tipo de fé abordado por Wesley é a fé dos demônios. Em seu dizer, os
demônios conhecem bem que Deus é somente um e que Jesus Cristo é o Filho de
Deus. Portanto, eles admitem a verdade das Escrituras e tremem diante do poder
de Deus. Nota-se, pois, que os demônios estariam num nível de crença mais
avançado do que os próprios pagãos, uma vez que essa crença se dirige à verdade
racional sobre Deus e sobre Cristo. Ademais, o autor supõe que os demônios
crêem que “toda Escritura foi dada por inspiração de Deus” (I, parágrafo
2). Contudo, a “fé” deles é meramente intelectual e racional, pois eles não
podem experimentar a graça de Deus e o poder de Jesus Cristo.
Será
que os demônios crêem mais em Deus e em Jesus Cristo do que muitas teologias
modernas? Apesar deles serem os inspiradores dessas teologias, eles certamente crêem mais na inspiração de Deus do que os teólogos modernos e contemporâneos.
Não obstante, essa
fé demoníaca é privilégio dos teólogos, que conhecem a Deus de ouvir falar e não
têm nenhuma experiência com Ele. Não é a toa que as igrejas atuais estão "mortas", pois tentam convencer seus membros racionalmente de noções bíblicas
conjecturais e até fundamentais, mas não crêem realmente que a fé em Jesus
Cristo produz em nós uma sensação de perdão dos pecados, a experiência de
sermos feitos filhos de Deus, nascidos do Pai. É por isso que a fé de muitos
cristãos não é acompanhada de frutos do Espírito. Portanto, reafirmando as
palavras de Wesley, uma fé que não possui a experiência da graça e da
santificação não pode ser uma fé cristã.
O
terceiro tipo de fé (ou crença) abordado por Wesley em seu sermão é a fé dos
apóstolos antes da morte de Jesus Cristo. Em sua concepção, os apóstolos
experimentaram o poder de Deus, viram milagres, testemunharam muitos sinais e
abandonaram tudo para estar ao lado de Cristo, todavia, ainda assim não
possuíam uma fé que os fizesse verdadeiramente salvos e cristãos. Ora, por que
alguém que havia sido chamado pelo Mestre, experimentado os poderes dEle e ouvido
Suas palavras não seria salvo? Simplesmente porque não haviam ainda
experimentado o poder da morte e da ressurreição de Jesus Cristo e, portanto,
não sabiam o que era ter os seus pecados perdoados. Wesley diz: nisso ela (a fé
da salvação) difere daquela fé que os apóstolos nutriam enquanto nosso Senhor
estava na terra: reconhece a necessidade e os méritos de sua morte e o poder de
sua ressurreição” (I, parágrafo 5).
Que
semelhança há entre essa fé dos apóstolos antes da morte de Jesus e a fé de
muitos cristãos “espirituais” hoje? Há, com certeza, muita semelhança. Nos dias
de hoje, há cristãos que conhecem os milagres de Cristo, receberam autoridade
para expulsar demônios, curar enfermos e foram até chamados por Cristo,
contudo, não priorizam a graça de Deus nem mesmo o poder da morte e da
ressurreição de Cristo, pois pensam que sua salvação depende de obras, de
méritos próprios, de fórmulas e métodos. Esses cristãos ou ainda não
experimentaram o poder da morte e ressurreição de Jesus ou já estão
desviando-se da “simplicidade do evangelho de Cristo”, assumindo para si
preceitos humanos e negando o essencial da fé. Não é a toa que muitos hoje
pensam estar debaixo de maldições hereditárias, de poderes malignos e de
incertezas, pois não crêem no poder da morte e da ressurreição de Cristo.
Portanto, qualquer doutrina e teologia que não priorizam a morte e a
ressurreição de Cristo não pode ser ensinamento que conduz à salvação.
Wesley
então questiona: “Qual é a salvação que é mediante a fé?”. Em resposta, diz: é
uma salvação presente, não apenas futura. Consequentemente, não é apenas a vida
eterna futura, mas a salvação do pecado e da culpa. O autor também sublinha que
não se trata apenas da culpa de alguns pecados, mas de todos, alegando que
“Cristo suprimiu a ‘maldição da lei, fazendo-se maldição por nós’. ‘Cancelou o
escrito de dívida que era contra nós, levando-o e cravando-o na cruz’. ‘Agora
não há, pois, condenação para os que crêem em Cristo Jesus’” (II, parágrafo 3).
Ademais, é uma salvação do temor, pois os crentes passam a ter paz com Deus e
com o Senhor Jesus Cristo; salvação do poder do pecado e da culpa inerente ao
pecado; do próprio pecado e da vontade de pecar. Por isso, o autor diz: “Esta
é, pois, a salvação pela fé, mesmo no mundo presente: a salvação do pecado e
das consequências do pecado (...) implica na libertação da culpa e do castigo,
pela propiciação de Cristo (...), e do domínio do pecado, mediante o mesmo
Senhor, formado em seu coração. Assim, aquele que é justificado é, na verdade, nascido de novo” (II,
parágrafo 7).
Nos
parágrafos seguintes, Wesley tenta mostrar que a salvação pela fé não é uma
pregação contra a santidade e as boas obras. É aqui que Wesley mostra a
peculiaridade de seu pensamento diante do protestantismo histórico, tanto na
vertente calvinista quanto luterana, uma vez que afirma a necessidade da
santificação como parte do caminho da salvação. Há duas questões levantadas por
Wesley, a saber: se falar da santidade e da fé não incitaria os homens ao
orgulho e se falar aos homens dessa fé não incitaria os homens ao pecado. Em
resposta à primeira questão, Wesley diz que isso pode acontecer acidentalmente,
porém os crentes verdadeiros devem ter em mente as palavras dos apóstolos sobre
o orgulho. Sobre a segunda questão, o autor diz que muitos tentarão utilizar a
graça para continuar no seu pecado, contudo, o seu sangue será sobre a sua
cabeça, uma vez que a bondade de Deus deve leva-los ao arrependimento. Uma
objeção que poderia se levantar contra esse tipo de pensamento, segundo Wesley,
seria: se o homem não pode ser salvo depois de tudo quanto fizer ou possa
fazer, isso o levará ao desespero. Wesley responde que certamente o levará à
desesperança de ser salvo por suas próprias obras, uma vez que aquele que tenta
estabelecer sua própria justiça não pode receber a justiça que vem de Deus.
Wesley também diz que essa crítica é inspirada por satanás, pois este supõe que
a doutrina de Cristo seja desoladora, ao invés de tranquilizadora. Contudo, o
autor afirma que essa doutrina é cheia de conforto, já que mostra a esperança
total na misericórdia de Deus. Afirma também que o fundamento de toda a
pregação cristã está na salvação pela fé, ainda que os católicos insistam em
não pregar sobre isso e divulgar seu papismo. Em contrapartida, a doutrina da
salvação pela fé é capaz de manter todo e qualquer papismo à distância.
Enfim, a salvação pela fé pregada por Wesley não é mais uma doutrina do cristianismo, mas constitui-se como o cerne da fé cristã, mesmo diante da oposição de alguns católicos e de religiosos que colocavam as obras no lugar da fé em Jesus Cristo. Com efeito, o cerne da fé cristã não era constituído daquilo que havia de comum em todas as igrejas que carregavam o nome "cristão", mas da própria mensagem de Cristo e dos apóstolos que explicitamente anunciavam o Evangelho como a mensagem da morte e ressurreição de Jesus Cristo que nos lava de todo o pecado e nos dá a vida eterna. Essa mensagem não era desesperadora, como alguns insistiam, mas a razão de nossa esperança em Deus.