terça-feira, 12 de novembro de 2013

Resposta ao texto "Por uma Teologia da Criação que supere os Fundamentalismos" de Claudio Ribeiro

          Ao ler esse texto, deparo-me com algumas questões que permanecem em minha mente desde os tempos da Faculdade de Teologia: Por que a necessidade de não ser “fundamentalista” (em sentido teológico)? O que é “fundamentalismo”?

          Em alguns pontos, Claudio Ribeiro disse que o fundamentalismo caracteriza-se por uma concepção de que a Bíblia é inerrante – supondo, às vezes, que essa concepção também incorra na interpretação literalista da Bíblia. Ademais, afirmou que há uma perspectiva escatológica milenarista que está por detrás do fundamentalismo. Apesar de não concordar com a relação entre inerrância bíblica e necessidade de leitura literal, não pretendo discutir tais temas agora. Aliás, basta observar a história do cristianismo para constatar diversos autores que, embora cressem na inerrância das Escrituras, não necessariamente consideravam que o melhor método de interpretá-la era a leitura literal. Também não explorarei a afirmação de que o fundamentalismo teológico tenha uma perspectiva escatológica milenarista, uma vez que grande parte dos pressupostos presentes nas críticas do autor revelam não ser somente o movimento "dispensacionalista" o alvo de sua crítica, mas o dogmatismo em geral. Com efeito, se se trata de uma crítica ao dogmatismo, tal critica extrapola os limites do recente movimento "fundamentalista" que levantou críticas ao "liberalismo teológico", mostrando também uma crítica à toda e qualquer forma de ortodoxia.

          De início, o autor diz “obviamente, não temos respostas acabadas para tais questões. Mesmo porque, se assim fizéssemos estaríamos incorrendo no mesmo equívoco que criticamos nas posturas de caráter fundamentalista”. Parece-nos que, aqui, fundamentalismo é entendido como aquela postura que formula respostas “acabadas” para determinadas questões. Aqui começa um entrave na leitura desse texto, uma vez que, não há ciência alguma que não tente responder, de modo bem delimitado, as questões a que se propõe pesquisar. O que seria uma resposta inacabada? A afirmação de que a “melhor” interpretação bíblica seja a kerigmática? Ou aquela que diz que o ser humano é co-criador com Deus? Será que a releitura, feita no texto, do pecado original não está claramente apontando que trata-se de uma interpretação mais adequada e melhor? As diversas críticas ao fundamentalismo, ao “maniqueísmo dualista” devem ser vistas como críticas “fortes” ou meras opiniões? Talvez o autor do texto pense: “minha fala está longe do fundamentalismo porque ela não pretende ser verdadeira, mas apenas uma opinião”. Todavia, se se trata apenas de opiniões, não há diálogo nenhum com as ciências, pois as ciências nunca pretenderam o senso comum ou a via das “opiniões”, ainda que a chamemos de “hermenêutica” ou interpretação.

          É muito comum, nos dias de hoje, travestir-se de “honestidade” e “respeito” afirmando que nossas ideias não passam de interpretações pessoais. O problema é que nenhuma interpretação divulgada pretende ser subjetiva, do contrário não intentaria convencer ninguém. As interpretações são sempre críticas a outras, fundamentadas por discursos “seguros”, que se supõem mais adequados e propícios à atualidade. Essa suposição de “atual”, acrescida às ideologias da “Vida”, da “liberdade” e da “tolerância”, faz com que o discurso induza-nos fortemente a pensar que encontramos a mais perfeita interpretação, isto é, a verdadeira.  Mas há quem diga: “não pode ser verdade! É apenas uma interpretação!”. Mas, se são críticas fortes, por que elas não estariam evocando um fundamento também “poderoso”, capaz de mostrar como se faz um bom diálogo com as ciências, capaz de criticar as velhas teologias e, ao mesmo tempo, criticar toda e qualquer ciência que considere inviável o diálogo com a teologia? Fundamento este que tem poder para destruir as mais fortes noções evolucionistas que, em sua maioria, afirmam que não é possível pensar em Deus e em evolução ao mesmo tempo, uma vez que a causa para a existência dos seres deve ser aleatória, como o é todo o processo de evolução.
 
          Contudo, os conhecidos autores do “evolucionismo teísta” tentam ganhar espaço numa comunidade científica cética afirmando que Deus está no controle do processo de evolução. Por sua vez, os teólogos evolucionistas, a fim de melhor romper com as fronteiras teológicas e científicas, afirmam: “pan-en-teísmo, isto é, Deus está/é em tudo e tudo está em Deus; Deus é o mistério que subjaz às coisas”. Diante de tais afirmações, outros teólogos e outros cientistas tentam requerer a validade do método científico e dos pressupostos teológicos, dizendo: “Deus não pode se confundir com as coisas, Ele é o criador, não uma criatura” (teólogos); “Se Deus é o acaso, Ele não é nada, apenas uma desculpa para o que ainda não foi explicado” (cientistas). Diante desse impasse, algumas outras tendências científicas e teístas surgem no horizonte das ciências biológicas, por exemplo: o design inteligente. Por ser crítico da evolução e mostrar que a evolução não passa de mais uma teoria entre outras, o chamado “evolucionismo teísta” infere: “não é ciência! É religião disfarçado de ciência!”. E os adeptos da nova teoria respondem: “Seria o evolucionismo teísta ciência? Seus conceitos sobre Deus são melhores e mais adaptados para que apenas o seu teísmo seja científico?”. Enfim, diante dessa longa discussão, teólogos e filósofos, lucidamente, ainda questionam se é necessário que as ciências positivas estejam no controle da Bíblia, dos valores morais e da Filosofia. É necessário forçar o diálogo com as ciências? Se sim, por que o evolucionismo e não o design inteligente?

          Pensemos numa coisa: foram os teólogos cristãos que decidiram não dialogar com as ciências ou o contrário? O protestantismo histórico desenvolveu-se junto com as revoluções industriais suscitando, segundo Weber, o próprio capitalismo. Os séculos XVII e XVIII mostraram cientistas famosos que jamais rejeitaram a Teologia. No início da modernidade, o diálogo entre cristianismo e ciências era intenso, basta observar obras de Descartes, Pascal, Malebranche, Berkeley, Leibniz, Newton e outros.  Inclusive, foram os ideais protestantes que trouxeram à tona a “Nova Ciência” e os princípios de igualdade, liberdade. Contudo, no século XIX, diversos cientistas, filósofos e economistas tentaram romper todos os laços com a religião: Darwin, Comte, Marx, Freud e outros. Com efeito, o divórcio ocorreu não por parte de teólogos protestantes, mas de cientistas e estudiosos que aderiram a filosofias céticas.

          Assim, o problema não era de ordem teológica ou epistemológica, mas um problema moral. É justamente aí que a Filosofia perde seu poder de influência dando lugar ao positivismo e ao pragmatismo irreversíveis cujos lemas principais eram: “superar o conhecimento teológico, superar o conhecimento metafísico e estabelecer o topo positivo” (Augusto Comte); “amadurecimento da sociedade para que ela não mais necessite de religião”.  Por outro lado, a ênfase na subjetividade também rompeu com a religião, uma vez que, sendo o homem a medida de todas as coisas, não há mais lugar para Deus. Com efeito, o divórcio entre a teologia e as ciências e filosofias contemporâneas não reside no fato de que as descobertas científicas e filosóficas mostraram que não há Deus, mas no fato de que a existência de Deus e, consequentemente, da Teologia, põem limites às pretensões idolátricas do conhecimento objetivo e subjetivo, isto é, a verdade de que Deus criou o Universo conduz evidências científicas e preceitos antropocêntricos ao precipício, uma vez que havendo Criador, não há mais criadores; havendo Deus, não há mais deuses; havendo Verdade, não há outras verdades humanas.


          Enfim, o problema da relação teologia e ciência não diz respeito ao diálogo, mas à preponderância. Se as ciências regem a hermenêutica bíblica, elas destroem o sentido da revelação tornado a Bíblia um livro entre outros. Se a Teologia rege a pesquisa científica, ela destrói o método e toda pretensão de objetividade das ciências. Na verdade, o suposto diálogo sempre consistirá em seleções ideológicas de “dados” ou “kerigmas” que melhor se adaptam a um discurso científico ou teológico trazendo, aos leigos e jovens teólogos, um maior valor e autoridade na “interpretação”, na retórica, na “vontade de poder” dos teólogos e dos cientistas. Em suma, evolucionismo teísta e teologia da evolução não passam de pretensões ideológicas e políticas que visam, por um lado, status e poder para os adeptos; por outro, escárnios e exclusão dos contrários. Basta acrescentar ainda um elogio de “aberto ao diálogo!”, “tolerante!” e “respeitoso!” para os discípulos e um xingamento de “fundamentalista!”, “violento!” e “intolerante!” para os críticos.

Como foi dito por Claudio Ribeiro, "há pressuposições antropológicas que relativizam as convicções fundamentalistas". Em outras palavras, o fundamentalista é sempre mau, violento e desumano (interpretação minha!)...


Texto completo de Claudio Ribeiro: